quarta-feira, 13 de abril de 2016

Livro: objeto afetivo.

Que são as palavras impressas em um livro?
Que significam estes símbolos mortos?
Nada, absolutamente.
Que é um livro se não o abrimos?
É, simplesmente, um cubo
de papel e couro, com folhas.
Mas, se o lemos, acontece uma coisa rara:
creio que ele muda a cada instante.

Jorge Luis Borges

por Adriana Campos – Collectivus de Leitura

     O que leva uma pessoa a possuir seu “livro de cabeceira”? Guardar a “sete-chaves” o primeiro livro que ganhou ou reservar espaço especial na casa para acondicioná-lo?

     As pessoas que têm algum desses comportamentos (ou outros similares), já sabem as respostas ou, ao menos, as sentem. A materialidade do livro traz em si não somente a historia que ele comporta como suporte narrativo, mas também, as situações físicas, emocionais e temporais em que se dá o ato da leitura.  

     E a mediação de leitura opera como alavanca e espaço para o surgimento e/ou fortalecimento dessas situações que configuram ao livro o status de objeto afetivo.

    A presença dos pais e/ou adultos pertencentes às redes afetivas das crianças nas situações de leitura que elas vivenciam, se torna elemento imprescindível para que elas atribuam significados ao “livro-objeto”. Lendo para elas ou se colocando como ouvinte das histórias que elas leem, os pais/adultos colaboram com o despertar do desejo das crianças em descobrirem o que há dentro do “retângulo”, além do recheio de papel e símbolos gráficos. Fazem-se partícipes da constituição do livro como objeto-afeto.

    Portanto, introduzir mediação de leitura como prática cotidiana familiar (ou escolar) proporciona às crianças experiências potentes e salutares em torno das narrativas literárias, pois é neste momento que terão a atenção, o colo, a boca, a voz, o olhar do adulto inteiramente dedicados à elas. O livro e a(s) história(s) que ele comporta, se torna(m) elementos de aconchego, de compartilhar e vivenciar o prazer de “estar junto”. E assim, o livro não é apenas “um mero objeto”, ele é o elemento que agrega e gera sentido, traz lembranças e faz outras histórias além da(s) que contém.

     Assim, seja pelo ato de leitura isolada e individual, seja pela leitura realizada pela proferição do texto por outrem (como nas situações de mediação de leitura) a materialidade do livro ganha as matizes da cultura e da afetividade, gerando a Experiência, promovendo o encontro do individuo leitor e/ou ouvinte com o mundo e, principalmente, consigo.

Referências Bibliográficas:

BORGES, J. L. – Cinco visões pessoais. Trad. Maria Rosinda da Silva. Brasília: Universidade de Brasília, 1985
CERTEAU, M. - A invenção do cotidiano. Artes de fazer. 7. Editora Vozes: Petrópolis 1994
GOULART, I.C.V – Entre a materialidade do livro e a interatividade do leitor: práticas de leitura. Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação vol. 12, nº 2, 2014
LARROSA, J. B. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação. Campinas nº19, 2002


segunda-feira, 4 de abril de 2016

O olhar e a poesia: Olhar poético

 “Os livros são espelhos para olhar e ser olhados, para tocar, para medir e explorar um mundo que se amplia a cada dia. 
A conversação que circula no triângulo amoroso – filho (a), livro e pai/mãe - vai para além das páginas. 
São duas pessoas que se encontram neste espaço; já são dois olhando um terceiro. 
Na história que a voz do pai/mãe vai contando, uma imagem se liga a outra: 
o de trás com o da frente, o tempo com o espaço, 
as palavras com as ilustrações, o livro com a vida”
Reys

por Wilza Nunes - Collectivus de Leitura 

Lemos antes de escrever ao entender leitura como além da decodificação das letras, lemos com todos os sentidos; o olhar é um meio de leitura. Alguém não só lê o outro para atende-lo, mas também para envolve-lo entre palavras, olhares e gestos e, ao mesmo tempo, para escrever os primeiros textos no fundo de sua memória. Nesse sentido, pode – se dizer que a criança é um leitor poético ou mais exatamente, um ouvidor poético desde o começo da vida. A proximidade que temos com a poesia é muito maior do que imaginamos, se recorrermos às lembranças, ouviremos a voz e o olhar poético de nossas mães, de nossos cuidadores.

O olhar além de ser a observação e possível avaliação de algo, significa também uma expressão de quem faz carregada de sentidos e assim fala, mesmo no silencio. O olhar se comunica, se faz entender; traduz sentimentos, compreensões.Podemos olhar para nós mesmos, exercitando a autoanálise, a introspecção, nos convidando á aprendizagem. Olhar para o que está fora, atento e avaliativo ás pessoas, às informações, às concepções de mundo, nos ampliando. Receber um olhar, podendo nos causar prazer, dor, tristeza, raiva, consolo, amor, proteção, de acordo com o contexto. O olhar é algo misteriosamente complexo, algo metafórico, subjetivo, não compreensível apenas de modo cientifico.



Para poetas, escritores, ilustradores e artistas em geral o olhar é a janela para a alma da pessoa, pois ele mostra de alguma forma, seus sentimentos, seu humor, sua personalidade, sua poesia. Mas não só para os “artistas” o olhar alcança tal esplendor, para todas as pessoas que olham, se olham e recebem o olhar.

O olhar poético compõe este vasto e misterioso universo. E para ativa-lo e experimenta-lo é necessário que nos aproximemos da poesia cotidiana, assim como da poesia escrita e cantada. Nada mais incrível que encontra– la e aprecia-la.

Na mediação de leitura temos uma tríade inseparável: mediador – livro -  ouvinte/leitor   e  para o mediador  temos elementos inseparáveis: olhar – voz –  afeto – escuta sensível.  
Compreender a acuidade destes elementos é inaugurar um triangulo amoroso entre suas partes: pai/adultos -  livro – filho/crianças , é inaugurar a experiência de olhar para um terceiro, juntos; uma experiência afetiva de um encontro que flui.

“A criança sai aos poucos da contemplação de sua mãe para o olhar conjunto, ou seja, para a possibilidade de olhar uma coisa que  “ não é você nem sou eu”. Nesse triangulo – dois que dividem  a experiência de olhar para um terceiro  - os livros são outra metáfora do espaço conjunto compartilhado: olhar o livro é passar a olhar a cultura em dueto. A cena de um bebê de oito ou nove meses que “faz de conta que lê “ um livro de imagens faz pensar no adulto que está por trás e de quem esse bebê “ roubou” voz, gesto e atitude. Para que essa criança possa se entreter – se  lendo sozinha, foi necessário que uma figura intima lhe revelasse, não uma e sim muitas vezes, o truque mágico de como olhar e interpretar os objetos planos e estáticos pinçados entre as paginas”. (REYES: 2010)





Este encontro da poesia em nós, em nossas vidas, em nossos sentimentos, nas paisagens, nas relações humanas e como não dizer na ação de mediar leitura ao ver uma criança maravilhada com a descoberta de um livro: sua narrativa e imagens, ao vê-la imersa na comunhão com os pais/mães com a possibilidade de se conhecer e (re)conhecer; apresenta um caminho de ampliação, aproximação e paixão que dá força à criação poética, a mediação de leitura é um estouro desta criação. Passamos nosso entusiasmo, emprestamos nossa voz aos textos de forma envolvida, ultrapassamos barreiras com o olhar poético, afetivo e sensível.

"A Comunhão que se inaugura nesse triangulo amoroso talvez explique o que leva a criança a precisar de livros; a pedir que leiam os mesmos livros muitas vezes e em numerosas ocasiões, a preferir a leitura compartilhada a qualquer outro passatempo. Quando ela descobre que ao lado dos livros é possível manter os pais em suspense e eles ficam literalmente submetidos entre as paginas, sem se distrair em ocupações adultas, passa a pedir que leiam uma e outra e outra vez. È provável que essa fascinação prematura pelo livro não provenha apenas do objeto físico ou de suas ilustrações ou das histórias contadas, mas muito mais da experiência afetiva que flui e oferece tantas pistas de decifração vital, com muita proximidade. Esse encantamento que permite reter o eco das vozes mais queridas e abrigar-se com invólucros de palavras é o que talvez nos torne leitores e o que muitas vezes nos leve, em diferentes momentos da vida, a querer reviver a experiência afetiva do encontro. ( REYES:2010).

Vamos oferecê-la às nossas crianças, jovens e adultos até que percebam a poesia dentro de si.


Bibliografia:

Reyes, Yolanda; A casa Imaginaria – Leitura e literatura na primeira infância; São Paulo; Global; 2010