terça-feira, 26 de julho de 2016

ROUPA NO VARAL

A cada roupa estendida
Um tempo se mostra
Um tempo esta alí: úmido, seco, às vezes, ensopado.
Mas sempre estendido, a mostra,
Roupa no varal é a vida presente no ar,
É a vida que viveu e se lavou
È a espera do filho
É o filho nascido
È o filho crescendo,  amigos ficando, gente indo embora
A cada tempo contemplo as roupas dos varais da minha vida
E com o filho – Nossa!
É a poesia no vento: dançando, balançando.
Se secando, se lavando, se vivendo.
Roupa no varal e filho é a vida crescendo

                                                                                              Wilza Nunes 


quinta-feira, 7 de julho de 2016

Boas Férias, Boas Leituras

Quantas vezes você, nos momentos de férias, finais de semana ou feriados prolongados, já coçou a cabeça para encontrar atividades bacanas para as crianças? 
Mesmo com inúmeras opções voltadas para o público infantil, às vezes nos falta repertório de lugares para entreter os pequeninos, não é mesmo?

Pois bem, por isso vamos falar aqui sobre Bibliotecas. Sim, as Bibliotecas são locais de arte e cultura muito importantes e muitas delas contam com programações interessantes e diversificadas, já que, atualmente, se revelam como centros culturais potentes nas regiões em que se localizam, abringando shows de música, contações de história, exposições de artes visuais entre outras linguagens. E pode ter certeza alguma estará perto de você!



Biblioteca Camila Cerqueira César - Vila Gomes/Butantã - Região Oeste



Biblioteca Camila Cerqueira César - Vila Gomes/Butantã - Região Oeste


Um aspecto muito importante das Bibliotecas é que estas são locais em que a leitura é valorizada e muitas possuem espaços pensados para que os pequenos possam manipular os livros de maneira fluída e prazerosa. E claro, há a possibilidade de empréstimo e poder levar para a casa o(s) livro(s) que os pequenos desejam conhecer ou que gostam, para ler e reler quantas vezes quiserem.

As condições de reserva são bem interessantes, pois, geralmente, se pode ficar com os livros por até 15 dias com possibilidade de renovação pelo mesmo período. E boa parte delas permitem a renovação por telefone, caso não haja tempo para novas visitas durante este prazo.


E não são somente as bibliotecas públicas que oferecem este tipo serviço, as Bibliotecas móveis ou localizadas nas unidades do Serviço Social do Comércio (SESC) de todo Brasil e outras ligadas a iniciativas da Sociedade Civil, também, o oferecem com a mesma facilidade ou até mesmo com prazos maiores. 


Os acervos dispostos são constituídos de excelentes títulos, aguçando o prazer em ler. Além de representar um boa economia para o bolso dos papais, já que livros de literatura de qualidade não são tão baratos... 
Vale a pena acrescentar na lista de atividades de férias uma(s) visita(s) à biblioteca. E podem ter certeza que os pequenos terão muita história para contar sobre elas. 
Assim desejamos  boas férias e  boas leituras!

Dica de Bibliotecas na cidade de São Paulo


- Biblioteca Municipal Raul Bopp - Aclimação/São Paulo-SP

- Biblioteca Roberto Santos - Ipiranga/São Paulo-SP

- Biblioteca Camila Cerqueira César -  Butantã/São Paulo-SP

- Biblioteca Monteiro Lobato -  Vila Buarque/ São Paulo-SP


Ou localize a mais próxima de sua casa aqui

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Mundo Real

 por Caterina Rino - Collectivus de Leitura 

    O que compreendemos hoje como um ‘estado natural de infância’ se difere e muito da compreensão que se tinha anteriormente. A organicidade das mudanças sociais e culturais são intensas e constantes. Podemos dizer que com a aceleração das informações e do acesso a elas, essas mudanças tomam mais força e velocidade. O interesse pela diversidade digital se amplia, e com ele, as relações tendem a se tornar menos próximas, as brincadeiras, menos físicas, a leitura, mais digital. E aí surge a pergunta: As crianças podem ser leitores ativos e sofisticados da mídia? Sim, sem dúvida.  Mas será que esta sofisticação atingirá quais tipos de narrativas? Quais formas de brincar? A literatura seria acessada de que maneira? E as relações entre os pares infantis, como se configuram nessa realidade?
     Tais mudanças socioculturais não devem ser desconsideradas, ou apenas criticadas. Podem ser aceitas e podemos tê-las caminhando lado a lado com aquilo que não pode deixar de existir. Por exemplo: a criança tem que brincar, simplesmente porque é criança e essa ação, o brincar faz parte desta fase da vida do ser humano, a infância[1]. O acesso ao livro ‘de verdade’; ao livro físico, também oferece sensações que sem ele em mãos, a criança ou o adulto jamais experimentariam... sentir o cheiro do papel impresso, folheá-lo, virá-lo de ponta cabeça, montar uma pilha com muitos livros, rasgar, rabiscar, dobrar as páginas, ver a ilustração detalhadamente... esse movimento lúdico é constituído por brincadeiras individuais e coletivas, e nos possibilita “compreender a cultura lúdica infantil como um espaço social no qual as crianças, através de brincadeiras, jogos de faz de conta e fabulações constroem valores e conhecimentos.” (SOUZA; SALGADO, 2008, p. 207).
      A existência de uma cultura produzida pela criança através da interação com o adulto e o mundo a sua volta, pela troca de experiências e olhares compartilhados, posicionamentos e ponto de vista, eleva a criança ao lugar de grande influenciadora na vida social e movimentação cultural, “capaz de intervir, modificar e atuar na dinâmica cultural e social dos sujeitos” (MORUZZI, 2008, p.50). Existem tantas infâncias e crianças distintas... a valorização dessas diferenças enriquece ainda mais o espaço para o lúdico. Ouvir, dialogar e considerar os dizeres e crenças de uma criança permite a troca e participação com sua cultura, enriquece os diálogos, amplia o repertório de todo um grupo envolvido, dentro e fora do mundo digital. “A palavra da criança, como a do poeta, cria outra realidade no lugar daquela já existente. Uma realidade imaginada, com elementos, os quais a realidade concreta não comporta” (SOBRAL, 2014, p.442).
      Em uma sessão de mediação de leitura, a criança que adentra o espaço organizado com livros literários de qualidade e diversificados, é convidada a observar, folhear, tocar, explorar; observa outras crianças, com culturas, repertórios e idades distintas... neste momento, em que a realidade digital se distancia, aproxima-se a física. O mediador está lá, disponível a facilitar um entrosamento, um envolvimento e participação dos presentes; e nesta perspectiva do mediador, ler para uma criança ou a um grupo de crianças não é simplesmente ler, é brincar, por vezes cantar... deitar no chão, dar colo. É contato físico; existem olhares, vozes, ruídos, expressões diversas presentes nessa dinâmica. A troca é constante na dança poética que se constrói e os sentidos estão ativos entre os envolvidos.
    A importância de experiências como essa para grupos infantis, é indescritível... constroem-se e estabelecem-se novas relações entre pares; as diferentes culturas fundem-se e por alguns momentos as diferenças socioculturais se complementam, ampliando cada repertório, cada realidade. O livro aparece como um dos protagonistas nessa dinâmica, na qual caminhos distintos seguem um mesmo rumo por minutos, por horas. Enquanto existir humanidade, serão produzidas culturas.  Para produzirmos cultura, temos que brincar, nos tocar, conversar, olhar, cheirar, sentir. O mundo digital é importante e deve ser valorizado e respeitado, mas acima, muito acima dele precisamos do mundo físico e real; a brincadeira precisa acontecer e a leitura de livros literários compor mais e mais a formação das identidades da infância.
      “Na poesia, a linguagem não se submete a significação estática, a palavra se desdobra produzindo efeitos poéticos, uma licença se abre para que algo novo se produza visando um efeito estético e uma abertura à pluralidade de sentidos” (SOBRAL, p.439).

REFERNÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACKINGHAM, David. Repensando a criança-consumidora: novas práticas, novos paradigmas.  In: Revista Comunicação, Mídia e Consumo. São Paulo. Ano 9 Vol. 9 N. 25 p. 43-72 Ago. 2012.
MORUZZI, Andrea Braga. Cultura da Infância entre textos, desenhos e outras linguagens – intervenções infantis na forma de subjetividade. VI Seminário sobre linguagens – Políticas de Subjetivação – Educação. UNESP Rio Claro, 2008.
SOBRAL, Paula Oliveira e VIANA, Terezinha de Camargo. A fala criativa das crianças e os efeitos poéticos. Estudos clínicos, São Paulo, v.19, n3, set/ dez. 2014, 436 – 450.
SOUZA, Solange Jobim e; SALGADO, Raquel Gonçalves. A Criança na Idade Mídia: Reflexões sobre a cultura lúdica, capitalismo e educação. In: SARMENTO, Manuel; GOUVEIA, Cristina Soares. (orgs.). Estudos da Infância – Educação e Práticas Sociais. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 207 - 221.





[1] A infância é uma categoria social e a criança, o sujeito que a compõe.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Livro: objeto afetivo.

Que são as palavras impressas em um livro?
Que significam estes símbolos mortos?
Nada, absolutamente.
Que é um livro se não o abrimos?
É, simplesmente, um cubo
de papel e couro, com folhas.
Mas, se o lemos, acontece uma coisa rara:
creio que ele muda a cada instante.

Jorge Luis Borges

por Adriana Campos – Collectivus de Leitura

     O que leva uma pessoa a possuir seu “livro de cabeceira”? Guardar a “sete-chaves” o primeiro livro que ganhou ou reservar espaço especial na casa para acondicioná-lo?

     As pessoas que têm algum desses comportamentos (ou outros similares), já sabem as respostas ou, ao menos, as sentem. A materialidade do livro traz em si não somente a historia que ele comporta como suporte narrativo, mas também, as situações físicas, emocionais e temporais em que se dá o ato da leitura.  

     E a mediação de leitura opera como alavanca e espaço para o surgimento e/ou fortalecimento dessas situações que configuram ao livro o status de objeto afetivo.

    A presença dos pais e/ou adultos pertencentes às redes afetivas das crianças nas situações de leitura que elas vivenciam, se torna elemento imprescindível para que elas atribuam significados ao “livro-objeto”. Lendo para elas ou se colocando como ouvinte das histórias que elas leem, os pais/adultos colaboram com o despertar do desejo das crianças em descobrirem o que há dentro do “retângulo”, além do recheio de papel e símbolos gráficos. Fazem-se partícipes da constituição do livro como objeto-afeto.

    Portanto, introduzir mediação de leitura como prática cotidiana familiar (ou escolar) proporciona às crianças experiências potentes e salutares em torno das narrativas literárias, pois é neste momento que terão a atenção, o colo, a boca, a voz, o olhar do adulto inteiramente dedicados à elas. O livro e a(s) história(s) que ele comporta, se torna(m) elementos de aconchego, de compartilhar e vivenciar o prazer de “estar junto”. E assim, o livro não é apenas “um mero objeto”, ele é o elemento que agrega e gera sentido, traz lembranças e faz outras histórias além da(s) que contém.

     Assim, seja pelo ato de leitura isolada e individual, seja pela leitura realizada pela proferição do texto por outrem (como nas situações de mediação de leitura) a materialidade do livro ganha as matizes da cultura e da afetividade, gerando a Experiência, promovendo o encontro do individuo leitor e/ou ouvinte com o mundo e, principalmente, consigo.

Referências Bibliográficas:

BORGES, J. L. – Cinco visões pessoais. Trad. Maria Rosinda da Silva. Brasília: Universidade de Brasília, 1985
CERTEAU, M. - A invenção do cotidiano. Artes de fazer. 7. Editora Vozes: Petrópolis 1994
GOULART, I.C.V – Entre a materialidade do livro e a interatividade do leitor: práticas de leitura. Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação vol. 12, nº 2, 2014
LARROSA, J. B. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação. Campinas nº19, 2002


segunda-feira, 4 de abril de 2016

O olhar e a poesia: Olhar poético

 “Os livros são espelhos para olhar e ser olhados, para tocar, para medir e explorar um mundo que se amplia a cada dia. 
A conversação que circula no triângulo amoroso – filho (a), livro e pai/mãe - vai para além das páginas. 
São duas pessoas que se encontram neste espaço; já são dois olhando um terceiro. 
Na história que a voz do pai/mãe vai contando, uma imagem se liga a outra: 
o de trás com o da frente, o tempo com o espaço, 
as palavras com as ilustrações, o livro com a vida”
Reys

por Wilza Nunes - Collectivus de Leitura 

Lemos antes de escrever ao entender leitura como além da decodificação das letras, lemos com todos os sentidos; o olhar é um meio de leitura. Alguém não só lê o outro para atende-lo, mas também para envolve-lo entre palavras, olhares e gestos e, ao mesmo tempo, para escrever os primeiros textos no fundo de sua memória. Nesse sentido, pode – se dizer que a criança é um leitor poético ou mais exatamente, um ouvidor poético desde o começo da vida. A proximidade que temos com a poesia é muito maior do que imaginamos, se recorrermos às lembranças, ouviremos a voz e o olhar poético de nossas mães, de nossos cuidadores.

O olhar além de ser a observação e possível avaliação de algo, significa também uma expressão de quem faz carregada de sentidos e assim fala, mesmo no silencio. O olhar se comunica, se faz entender; traduz sentimentos, compreensões.Podemos olhar para nós mesmos, exercitando a autoanálise, a introspecção, nos convidando á aprendizagem. Olhar para o que está fora, atento e avaliativo ás pessoas, às informações, às concepções de mundo, nos ampliando. Receber um olhar, podendo nos causar prazer, dor, tristeza, raiva, consolo, amor, proteção, de acordo com o contexto. O olhar é algo misteriosamente complexo, algo metafórico, subjetivo, não compreensível apenas de modo cientifico.



Para poetas, escritores, ilustradores e artistas em geral o olhar é a janela para a alma da pessoa, pois ele mostra de alguma forma, seus sentimentos, seu humor, sua personalidade, sua poesia. Mas não só para os “artistas” o olhar alcança tal esplendor, para todas as pessoas que olham, se olham e recebem o olhar.

O olhar poético compõe este vasto e misterioso universo. E para ativa-lo e experimenta-lo é necessário que nos aproximemos da poesia cotidiana, assim como da poesia escrita e cantada. Nada mais incrível que encontra– la e aprecia-la.

Na mediação de leitura temos uma tríade inseparável: mediador – livro -  ouvinte/leitor   e  para o mediador  temos elementos inseparáveis: olhar – voz –  afeto – escuta sensível.  
Compreender a acuidade destes elementos é inaugurar um triangulo amoroso entre suas partes: pai/adultos -  livro – filho/crianças , é inaugurar a experiência de olhar para um terceiro, juntos; uma experiência afetiva de um encontro que flui.

“A criança sai aos poucos da contemplação de sua mãe para o olhar conjunto, ou seja, para a possibilidade de olhar uma coisa que  “ não é você nem sou eu”. Nesse triangulo – dois que dividem  a experiência de olhar para um terceiro  - os livros são outra metáfora do espaço conjunto compartilhado: olhar o livro é passar a olhar a cultura em dueto. A cena de um bebê de oito ou nove meses que “faz de conta que lê “ um livro de imagens faz pensar no adulto que está por trás e de quem esse bebê “ roubou” voz, gesto e atitude. Para que essa criança possa se entreter – se  lendo sozinha, foi necessário que uma figura intima lhe revelasse, não uma e sim muitas vezes, o truque mágico de como olhar e interpretar os objetos planos e estáticos pinçados entre as paginas”. (REYES: 2010)





Este encontro da poesia em nós, em nossas vidas, em nossos sentimentos, nas paisagens, nas relações humanas e como não dizer na ação de mediar leitura ao ver uma criança maravilhada com a descoberta de um livro: sua narrativa e imagens, ao vê-la imersa na comunhão com os pais/mães com a possibilidade de se conhecer e (re)conhecer; apresenta um caminho de ampliação, aproximação e paixão que dá força à criação poética, a mediação de leitura é um estouro desta criação. Passamos nosso entusiasmo, emprestamos nossa voz aos textos de forma envolvida, ultrapassamos barreiras com o olhar poético, afetivo e sensível.

"A Comunhão que se inaugura nesse triangulo amoroso talvez explique o que leva a criança a precisar de livros; a pedir que leiam os mesmos livros muitas vezes e em numerosas ocasiões, a preferir a leitura compartilhada a qualquer outro passatempo. Quando ela descobre que ao lado dos livros é possível manter os pais em suspense e eles ficam literalmente submetidos entre as paginas, sem se distrair em ocupações adultas, passa a pedir que leiam uma e outra e outra vez. È provável que essa fascinação prematura pelo livro não provenha apenas do objeto físico ou de suas ilustrações ou das histórias contadas, mas muito mais da experiência afetiva que flui e oferece tantas pistas de decifração vital, com muita proximidade. Esse encantamento que permite reter o eco das vozes mais queridas e abrigar-se com invólucros de palavras é o que talvez nos torne leitores e o que muitas vezes nos leve, em diferentes momentos da vida, a querer reviver a experiência afetiva do encontro. ( REYES:2010).

Vamos oferecê-la às nossas crianças, jovens e adultos até que percebam a poesia dentro de si.


Bibliografia:

Reyes, Yolanda; A casa Imaginaria – Leitura e literatura na primeira infância; São Paulo; Global; 2010

quarta-feira, 30 de março de 2016

O prazer de ouvir histórias

“Eu fui feito pela poesia, não ela por mim”
Goethe

por Renata Gentile - Collectivus de Leitura

Tantos anos lendo histórias, ou como gostamos de dizer, “mediando leitura” para crianças, jovens e adultos, nos fizeram constatar que quando a literatura é apresentada de forma prazerosa temos grandes chances de formar leitores.

Sabemos também que muitos são os elementos que contribuem para o prazer na leitura: a possibilidade de fruição de uma obra literária (sobretudo às infantis que compõem textos, ilustrações e projetos gráficos primorosos); a liberdade na significação da narrativa e no manejo do objeto livro; a exploração de diferentes interações com as historias; a possibilidade de conhecer o mundo, como coloca Antonio Candido (1972), inclusive o próprio mundo interno, como sugere Bruno Bettelheim (1978).

Ou seja, quando entendemos a mediação de leitura como uma ação cultural – sem uma intencionalidade pedagógica que busca alcançar resultados, passar uma mensagem ou adquirir competências – ela torna-se uma situação prazerosa, fundamental para o percurso do leitor em formação.

Mas além de facilitar uma situação caracterizada pela interação, liberdade e fruição, o mediador de leitura cumpre um importante papel também quando transmite vocalmente um texto. Alguma coisa acontece quando emprestamos a voz para um texto literário...

As crianças costumam demonstrar com o corpo. Respondem de modo singular, às vezes relaxando, se aconchegando, outras vezes agitando-se com a diversão, interação e ludicidade que o livro propõe. Fogem do padrão de comportamento de atenção suposto pelos adultos, ou porque dormem ou porque se movimentam, fazendo com que seja repensado o que deve ser um comportamento leitor.

Quando lemos para adultos e adolescentes percebemos que se surpreendem, tanto com o inusitado da ação (“eu sei ler, por que estão lendo para mim?”) como também com as sensações que ouvir uma história lhes causa.

Não é incomum quem escuta uma história “confessar” que não acompanhou os acontecimentos da narrativa, que na realidade “viajou para longe”, mas que estava gostoso e que se sentiu “entregue” a voz que dava vida ao livro. Nas mediações de leitura por vezes, crianças escolhem narrativas longas, a principio inadequadas às suas idades, mas ainda que não estivessem “entendendo” o conteúdo do livro, pedem para continuar e até para repetir a leitura.

Então nos perguntamos: “por que é tão prazeroso ouvir uma história?”; “de onde vem esse prazer?”. Além de todos os elementos já citados, a tese apresentada nesse artigo é que esse prazer vem de longe...(talvez lá de onde a gente vai parar quando viaja nas historias.)De longe mesmo, nos primeiros meses de vida. No inicio da aquisição da linguagem, lá onde começaram a nos entender como sujeitos; no tempo da delicadeza do “manhês”.

O “manhês” é o termo dado ao modo como as mães – ou os agentes da função materna – falam com os bebês. Aquela fala que abusa de neologismos e de frases curtas, que tem uma melodia, entoação, ritmo, musicalidade. Tal como nos poemas e prosas poéticas, gêneros muito presentes na literatura infantil.

A voz que transmite o texto literário saboreia as palavras, se movimenta com o ritmo, dança com a sonoridade dos versos...embala o bebê que fomos.  O próprio silêncio que surge com as pontuação do texto ou ao virar as páginas do livro são como as pausas que a mãe faz quando espera a resposta vocalizada de seus bebês.
Além da musicalidade, outra analogia entre o manhês e a mediação de leitura  é que ambos convocam o interlocutor, fazem olhar para quem fala, produzem um laço afetivo entre criança e adulto.

“Nessa operação exercida pelo agente da função materna, por meio de seu olhar e sua voz, o bebe deixa de ser puro organismo para inserir-se em um funcionamento simbólico, próprio dos humanos” (Maria Lacombe Pires, 2011).

Nos primeiros dias de vida o choro do bebê é constante e apresenta o mesmo tom em diferentes situações. Com o passar dos meses e a partir da fala que lhe é dirigida, o bebê vai modulando sua vocalização dependendo da situação utilizando sua voz como instrumento para chamar o outro. Assim, o bebê aprende com o "manhês" a se expressar. Dá notícias a uma mãe atenta se está com fome, frio, sono.

Esse estatuto de sujeito provocado pelo adulto que se dispõe ao dialogo também é provocado pelo mediador de leitura que abre brechas para que a subjetividade da criança se expresse na interação com o livro. Lembrando que essa expressão não está para atender a expectativa do adulto e que pode ser inclusive o silencio, o sono, a fala, um movimento.

Ouvir histórias é, portanto, prazeroso por diversos aspectos; entre eles porque remete a uma experiência vivida, fundante da nossa posição de sujeito no mundo.
Incentivemos então que a função poética da literatura  (re)enganche os laços  entre adultos e crianças. Que experiências de leituras compartilhadas estejam presentes na relação de pais e filhos, educadores e alunos para que assim, continuemos nos apropriando da linguagem, da leitura e dos livros. Que a voz de mediadores continue nos ninando. Desse modo, seguros e acalantados, seguiremos nos expressando ao mundo.



PIRES, Maria Lacombe. “Falar com bebês. Será que eles entendem?”in  Entre o singular e o coletivo – Ao acolhimento de bebes em abrigos. (org Fernanda Nogueira) São Paulo, 2011
BETTELHEIM, Bruno. “A Psicanalise dos Contos de Fadas”. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1978 

CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciencia e Cultura, São Paulo, vol 24, n9, p806, set 1972

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

A mediação de leitura como situação de trocas e vínculos

“Nunca ninguém se ofereceu para ler pra mim”. Essa foi a primeira reação, um tanto surpresa do Sr Manoel. No início da leitura de “A Árvore Generosa” (Shel Silverstein, Cosac Naify), ele ainda parecia desconfiado, talvez tentando entender qual era o propósito de tal convite. Chegou a perguntar se estávamos vendendo os livros. Lá pelas tantas, mais tranquilo e possivelmente embalado pela voz que dava ritmo à narrativa, Sr Manoel percebia o convite implícito da mediadora, que nas pausas que fazia, o chamava para pronunciar a oração que se repetia: “e a árvore ficou feliz”. Cada repetição dessa frase era experimentada por Manoel com diferentes entonações, às vezes mais animada, outras vezes de modo mais dramático. Quando finalizaram a leitura, Sr Manoel quis comentar o livro e embora considerasse triste o final da história, estava com um sorriso no rosto, visivelmente satisfeito pela experiência inédita que havia tido. Então contou que estava matriculado no MOVA e que aprendera a ler recentemente, aos 60 anos. Sr Manoel ainda ficou por ali, folheando outros livros. Quando foi se despedir, foi a vez da mediadora repetir: “...e o Seu Manoel ficou feliz”.
     


A mediação de leitura como o Collectivus acredita se caracteriza como um momento de troca em torno das narrativas literárias. Uma troca que é afetiva, também de (re)conhecimentos e testemunhos. O mediador de leitura cumpre uma importância fundamental para que a troca aconteça, estando atento às oportunidades para o estabelecimento de inter-relações na tríade ouvinte(s), livro e mediador. A leitura de histórias, mobilizadas pela voz que dá vida ao livro e pelo próprio universo ficcional das narrativas, traz à tona lembranças que fazem com que os ouvintes queiram falar sobre si, suas histórias e questões sobre o mundo. O livro como um bom incentivador para o diálogo.  

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Cenas de Mediação de Leitura - 2016

Nada melhor do que poder passar as férias com os filhos, sobrinhos, filhos de amigos, crianças amigas... E melhor ainda é poder compartilhar momentos prazerosos, lúdicos em torno da boa literatura. 

             Viva leitura! E que em 2016 mais adultos e crianças compartilhem boas leituras!